Nesses tempos em que se apregoa com conhecimento rasteiro a questão de trânsito em julgado de uma sentença condenatória, faz necessário questionar: o processo criminal, em tese, termina com o trânsito em julgado de uma decisão (sentença ou acórdão), seja para condenar ou absolver um cidadão após o seu devido processo legal?
A resposta é sem sombra de dúvidas negativa. Sabemos que a realidade prática é muito diferente daquela almejada na doutrina e nas leis e que não é bem assim quando alguém enfrenta os efeitos de um processo-crime, tampouco em relação a sua família, amigos e profissão, haja vista que tais efeitos são nefastos na vida de qualquer ser humano.
Quando se torna público que uma pessoa está enfrentando um problema de ordem criminal, seja judicial ou ainda na fase do inquérito, seu caráter se converte num rótulo pejorativo perante a sociedade. (teoria do rótulo). O Processo Penal, infelizmente, sofre de uma praga denominada “populismo penal” ou “processo penal midiático”, cujo pilar é a opinião pública, voz das ruas, ou seja, lá o nome que se queira dar aos terroristas denominados “cidadãos de bem”.
Essa gente que passa a julgar os outros com uma velocidade ininterrupta se acham distantes da criminalidade como a viver num mundo fantasioso, meio esquizofrênico e fora de contexto a apontar o dedo e a exigir prisão a qualquer custo. São os puros de coração que ao se depararem com um processo judicial passam a ter outra visão do problema. Os direitos que negavam ao outro, querem para si com todas as forças.
A mídia rasteira se encarrega de levar à execração pública o suposto transgressor da norma, pouco se importando com a verdade real dos fatos ou de posteriormente tornar público, na mesma dimensão e amplitude, o desfecho da ação penal, principalmente quando o indivíduo foi absolvido. De igual modo, e mais delicada a situação, quando o cidadão foi preso, mesmo antes de ter sua culpa declarada. A pecha tem se tornado comum, onde o cidadão comumente é intitulado socialmente como um “presidiário” ou “ex-presidiário”, cadeieiro, condenado, apenado e, lamentavelmente, as oportunidades em sua vida jamais serão as mesmas, pois a sociedade então passará a rotulá-lo.
Francesco Carnelutti dizia que:
“o preso, ao sair da prisão, crê já não ser um preso; mas nós, não. Para nós ele é sempre um preso, um encarcerado; pelo mais, diz-se ex-encarcerado; nesta expressão está a crueldade e está o engano. A crueldade está em pensar que, tal como foi, deve continuar sendo. A sociedade crava em cada um, o seu passado.”
Nessa esteira indaga-se: aquele ser humano que enfrentou as agruras do cárcere estará isonomicamente equiparado àquele que não? O Estado cumpre efetivamente seu dever de ressocializar o ex-delinquente? Indaga-se, o processo criminal efetivamente termina com a decisão transitada em julgado? A pena cessa mesmo quando o delinquente sai do cárcere? Essa discussão de trânsito em julgado rasteira, covarde e apenas política, resolve o problema de fundo?
As respostas novamente são negativas, porquanto os efeitos do processo-crime, ainda que o cidadão seja considerado posteriormente inocente ou efetivamente cumprido sua pena, são perpétuos. E de novo Carnelluti no ensina:
“(…) as pessoas creem que o processo penal termina com a condenação, e não é verdade; as pessoas creem que a pena termina com a saída do cárcere, e não é verdade; as pessoas creem que o ergástulo é a única pena perpétua e não é verdade. A pena, se não propriamente sempre, em nove de cada dez casos não termina nunca. Quem pecou está perdido. Cristo perdoa, mas os homens não.”
Na seara penal nunca e em tempo algum há o direito ao esquecimento. Essa hipocrisia política prisional eleitoreira, disfarçada de salvação, com o único intuito de prender mais, nos levará certamente ao caos institucional. É esperar pra ver.