“A crise na educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”. Com essa frase de Darcy Ribeiro quero tecer algumas considerações sobre o Podcast nº 25 do Jurista Lênio Streck, divulgado em sua plataforma com o seguinte título: “O coaching jurídico e o decoreba!”.
O tema trazido por Streck não é novo, e sempre que leio suas duras críticas sobre a precariedade do Direito, a enorme gama de faculdades no país e a maneira como alguns professores se escoram nos famosos “coaching jurídico”, transmitindo matérias de fundo através de apostilas, resumos e manuais, tento refletir sobre o tema de forma isenta, pois também faço parte de ínfima parcela desse sistema que ele tanto critica.
Concordo que a utilização de fórmulas mágicas, músicas, poesias e métodos inovadores de aprendizagem trazidos por alguns aventureiros, chegam a nos causar certa perplexidade no Direito e reconheço que em várias de suas ácidas observações, a razão o acompanha. Chegamos realmente num nível assustador a ponto de não perceber qual o objetivo da formação na área do Direito e o que se pretende com esses futuros profissionais no mercado de trabalho.
No entanto, ouso divergir sobre alguns pontos dessas considerações que vêm sendo feitas por ele e que normalmente não têm sido rebatidas, mas acho que precisam ser ditas acima de tudo, sem muitos rodeios, pois são de conhecimento geral, inclusive do próprio jurista, e apenas não são discutidas com a mesma veemência por razões econômicas e políticas. Pra mim, a questão é muito mais profunda e o curso de Direito é apenas a ponta do iceberg.
Saio, então em defesa dos Professores Universitários, esses profissionais que atuam diuturnamente e que nesta Pandemia global se superam a cada dia, com centenas de jovens que chegam sem nenhuma base escolar, a maioria, com alto grau de analfabetismo e que mal sabem escrever. Alguns deles, com um sonho de se tornar Juízes, Promotores, Defensores, Delegados e Advogados. Reconheço como Professor, que nem todos podem atuar na área jurídica, mas isso deveria estar claro para eles desde o seu processo de formação educacional, ou ao menos ser dito, sem nenhum rodeio, através de séria avaliação, já no processo de seleção de “supostos vestibulares” que são submetidos antes de adentrar numa Faculdade de Direito.
A verdade é que esses jovens não possuem na sua maioria esmagadora, base teórica que possa sustentar o edifício do Direito com as suas diversas categorias, fruto de um ensino precário, tanto em escolas públicas, quanto privadas, e por isso são as verdadeiras vítimas nesse universo mercadológico que o ensino se transformou no Brasil. Se o Direito está em crise, deve-se em muito a manutenção dessas bases pedagógicas ultrapassadas e na formação embrionária de todos aqueles que passam pelo sistema educacional do nosso país.
Reconheço ainda que muitos profissionais e educadores precisam se atualizar, e em certa medida, alguns não deveriam chegar nem perto de uma sala de aula por absoluta falta de didática e conhecimento, estelionatários educacionais, contadores de histórias vãs com fórmulas mágicas que estão longe de oferecer profundidade e um aprendizado de qualidade a qualquer aluno. Mas, em grande parte, também devo reconhecer que a grande maioria dos educadores estão desmotivados, cansados e não gozam de nenhum reconhecimento. Mesmo com tudo isso contra, de alguma forma tentam transmitir conhecimento com criatividade. São verdadeiros heróis.
Acho injusto generalizar que o conhecimento transmitido aos alunos é raso porque existe uma intenção deliberada desses profissionais em incentivar o decoreba ou fazer teatro e inovações no Direito pelos educadores, muito menos, que enxergam o Direito como mero instrumento de observação e simples empirismo. Utilizando a mesma retórica do Podcast, não existe almoço grátis, e se prestarmos atenção com um pouco de cuidado e boa vontade, vamos verificar que o próprio Estado exige que os novos profissionais, até mesmo os servidores públicos, tenham um conhecimento superficial das coisas e apenas uma excelente memória. Na ponta de estoque do produto “aluno formado” se você não entregar isso, está fora do jogo. É isso que o mercado exige: o mais puro incentivo ao vazio intelectual. O limbo.
Mas eu ainda acredito piamente que há professores seriamente comprometidos com um ensino qualitativo e cientes de sua responsabilidade social, apesar de. É certo que não tenho Procuração dos professores, mas tenho certeza que a pergunta que todos eles fazem diariamente na área do Direito é: como podemos fazer um aluno, com a formação de base que possui, ler Kelsen, Montesquieu, Foucault, Lacan, Hobbes, Platão? Dentro das grades curriculares apresentadas é possível cumprir as matérias básicas e essenciais do Direito? Quais os recursos pessoais que temos para fazer com que esse público alvo entenda do que estamos falando? Como podemos ser criativos e estimular esses jovens a estudar? Onde podemos buscar algo simples e didático para pessoas sem uma mínima formação? Como resgatá-los desse poço sem fundo?
Infelizmente, a resposta é que muitos desses profissionais diante da precariedade intelectual do público alvo, recorrem convenientemente a resumos simplificados, teorias e métodos questionáveis que estão a disposição no mercado educacional para quem quiser, sem nenhum critério ou fiscalização por parte de quem critica e que na minha humilde opinião deveria fazer alguma coisa, além de reclamar pelos quatro cantos do Brasil. Ninguém ouvirá. Será preciso ações efetivas.
Os prejuízos são enormes, porque, em muitas faculdades segundo as metas pré-estabelecidas, não há tempo para profundidade e desenvolvimento dos temas abordados, deixando ao aluno a responsabilidade para a sua complementação. Poucas universidades conseguem cumprir esse objetivo, normalmente, apenas as faculdades mais tradicionais com anos de experiências e, as universidades públicas obtêm resultado satisfatório.
Por fim, gosto da analogia que Lênio Streck utiliza há muitos anos para comparar a Medicina e o Direito, afirmando que seria trágico que um médico se utilizasse de resumos e manuais para realizar uma cirurgia. E novamente, com a vênia de praxe, ouso discordar do Mestre, pois a comparação da formação dos médicos no Brasil com o profissional do Direito não tem simetria, embora reconheça a gravidade e a extensão do problema quando colocado da maneira que o foi.
Mas é forçoso reconhecer que as duas realidades são muito distintas. Não há excesso de faculdades de medicina no país como ocorre com o Direito – o setor não deixaria isso ocorrer. Há ainda outro detalhe de suma relevância – a formação de médicos normalmente tem horário integral e são realizadas em universidades públicas, em regra, as melhores do país por sinal, ou em instituições privadas que cobram um custo altíssimo de mensalidade que prefiro não elencar.
Qual classe social pode se dar ao luxo de disponibilizar altos valores? Quem é o público alvo que faz medicina tanto nas Universidades Públicas quanto nas Privadas? No Brasil, salvo pouquíssimas exceções, (instituições sérias e que preservam suas tradições), é possível você entrar numa faculdade de direito, fazendo um “suposto vestibular”, pagando uma mensalidade muito baixa. Na matrícula, como brinde, uma camiseta e para um incentivo de 5 (cinco) anos de estudo, um resumo simplificado. Enfim, no nosso país, querido Mestre, o jargão de “democratizar o ensino”, tem outro significado: lucro e desmonte.Enfim, a crise não é do Direito como tanto se alardeia, a crise é da Educação. Viva os Professores!!