O acordo de não persecução penal, recentemente incluído no art. 28-A do Código de Processo Penal, conforme estabelecido pela lei 13.964/19, está gerando inúmeras discussões na doutrina, uma vez que se trata de verdadeira ampliação das possibilidades de o investigado realizar acordo com o Ministério Público antes do oferecimento da denúncia.
Embora alguns institutos necessitem de uma revisão, acordos com o Ministério Público – já são realizados pela legislação brasileira. A lei 9.099/95, dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, prevê nos artigos 60 e 61 a transação penal para as infrações de menor potencial ofensivo (contravenções penais e delitos com pena máxima não superior a dois anos), e o artigo 89 da referida Lei prevê que o Ministério Público poderá propor a suspensão condicional do processo, por dois a quatro anos, para crimes em que a pena mínima for igual ou inferior a um ano.
Também não se pode ignorar o próprio instituto da colaboração premiada, que embora previsto na legislação desde 1990, com a promulgação da lei 8.072/90, que dispõe sobre os crimes hediondos, passou a ser normalmente utilizada após o ano de 2013, eis que ganhou contornos mais práticos com a lei 12.850/13 e também alterada pela lei 13.684/19. O art. 4º da lei 12.850/13 prevê a possibilidade de o investigado/acusado realizar acordo de colaboração premiada com as Autoridades Públicas nos crimes que envolvem organização criminosa – embora haja discussão sobre o âmbito de alcance da colaboração premiada em outros delitos.
A despeito dessas outras figuras acima citadas, o acordo de não persecução penal, agora incluído no ordenamento jurídico pela lei 13.964/19, é novo instituto do direito penal negocial, que amplia profundamente as possibilidades anteriormente existentes de realização de acordo com as autoridades públicas – em especial o Ministério Público – antes de haver acusação formal quanto à prática de crimes.
Conforme previsão expressa do art. 28-A do CPP, em não sendo caso de arquivamento da investigação, se o investigado tiver confessado a prática da infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal. O mesmo artigo ressalta que o acordo será proposto, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do delito.
Verifica-se que o rol dos delitos em que será possível a propositura do acordo é extensa, pois a pena mínima inferior a 4 (quatro) anos engloba inúmeros crimes, desde furto até peculato e lavagem de dinheiro. Tal previsão alcançará tanto os crimes comuns, que correspondem à maior parte dos processos da justiça criminal, como os crimes do dito “direito penal econômico”, que comumente são objeto das maiores operações policiais no país.
O requisito de que o investigado terá que confessar formal e circunstancialmente a prática da infração para realizar o acordo de não persecução penal pode gerar discussões. A principal crítica é de que a obrigação de confessar imposta pela Lei fere o princípio da presunção da inocência.
Por fim, pode-se considerar que a celebração do acordo de não persecução penal poderá implicar a assunção de risco considerável pelo investigado dado a ampla discricionariedade e a aparente possibilidade elevada de negativa do acordo pelo Ministério Público como ocorre nos Estados Unidos ampliando o encarceramento em massa. Portanto, os acordos devem ser analisados como uma das opções de estratégia de defesa, e sempre com cautela por parte dos advogados atuantes.
É importante ter em mente que a vulgarização dos acordos pode custar ao instituto a própria credibilidade. Portanto, para alcançar sua plenitude como legítimo instrumento, o acordo de não persecução penal, assim como os demais instrumentos de acordo, tem muito a ser aprimorado, cabendo a nós Advogados, diante desses novos desafios, adequar a orientação político-criminal à dogmática processual penal.