A Corregedoria Nacional de Justiça instaurou, de ofício, pedido de providências contra o desembargador da 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. O magistrado tem 15 dias para enviar esclarecimentos sobre a decisão em que negou pedido de prisão domiciliar para uma presa no regime semiaberto com a justificativa de que só astronautas estariam livre do coronavírus.
Na decisão em questão, o desembargador do TJ-SP afirma que “dos cerca de 7.780.000.000 habitantes do Planeta Terra, apenas três: Andrew Morgan, Oleg Skripocka e Jessica Meier, ocupantes da estação espacial internacional, o primeiro há 256 dias e os outros dois há 189 dias, portanto há mais de seis meses, por ora não estão sujeitos à contaminação pelo famigerado coronavírus”. O pedido de prisão domiciliar foi feito com base na Recomendação 62, do Conselho Nacional de Justiça.
O CNJ se manifestou neste sentido: “Considerando que tal decisão, caso realmente tenha sido proferida pelo Desembargador, em tese, caracteriza conduta vedada a magistrados, porque foi utilizada linguagem supostamente inadequada, o que expôs, em tese, o impetrante e o paciente ao ridículo (Lei Orgânica da Magistratura Nacional [LOMAN], art. 35, IV e VIII; e art. 41, c/c arts. 16, 22, 24 e 25 do Código de ética da Magistratura), instaure-se o presente procedimento.
Guardadas as posições em contrário, a decisão é motivo de alerta para a Justiça e embora a Recomendação do CNJ não seja vinculativa, surpreende, o argumento pífio, utilizado para afastar o pedido da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. A decisão não analisa o pedido sob a luz da recomendação 62 do CNJ para até mesmo afastá-la e muito menos fundamenta o caso sob o enfoque concreto da situação da presa.
Além da comparação fora de propósito com os astronautas, outra argumentação utilizada na esdruxula decisão é a de que como não há a presença do vírus na prisão não se pode diminuir o número de presos sem critério. O argumento com a devida vênia, não convence, primeiro porque o vírus ainda não adentrou nesse locais apenas por uma questão de tempo, pois não se desconhece que pessoas externas trabalham nas prisões e a entrada do vírus é real e iminente. Segundo, que os critérios já foram definidos pelo CNJ e qualquer tentativa de evitar prisões desnecessárias contribuirá para a higiene e segurança de todos.
A verdade é que na maioria dessas decisões, o que se tem visto de forma corriqueira são argumentos atécnicos, que soam apenas como uma opinião moral dos juízes que nada tem a ver com o direito e muito menos com senso de justiça. Fundamentações vazias como: não se pode abrir a porta das cadeias para criminosos; presos precisam ficar dentro do presídio e presos por dívidas de pensão de alimentos não podem ser soltos, mostra, além de uma absoluta falta de solidariedade, um desconhecimento total sobre o direito e uma empáfia de quem se sente o cidadão de bem.
A pergunta que fica é: quem é o cidadão de bem para essas pessoas sob a ótica dessas opiniões valoradas de preconceito? o cidadão de bem seria aquele que não cometeria nenhum crime, mas é aquele que participa dos grupos de whatsapp para burlar a operação de trânsito com o bafômetro ? Aquele que frequenta a igreja de domingo, devoto de São Sebastião, e desrespeita a quarentena e o isolamento porque acha que só irão morrer pessoas idosas e ele não tem nada com isso? Nietzche dizia que o poder imbeciliza, mas eu prefiro acreditar que nos tempos atuais, esse tipo de poder, dá a possibilidade de você enxergar no meio de bons juízes, que é a sua grande maioria, diga-se de passagem, alguns imbecis brotarem de todos os lugares, inclusive nos órgãos públicos.
Um jurista não está em condições de fazer este tipo de escolha fundamental (entre o utilitarismo e a dignidade das pessoas), pois há um sistema (de regras, princípios etc.) que deve ser respeitado. Ninguém, absolutamente ninguém, quer saber o que juiz pensa e a sua opinião leiga sobre a ciência, ou se ele age com base em princípios morais (quais? de quem?). Melhor dito: o Direito num país democrático não pode depender só dessa gente. Deus nos proteja da maldade dessas pessoas que se acham boas demais.