A chegada do Juiz de Garantias. Ainda que tardia!

Mesmo tarde, chega ao Brasil o Juiz das Garantias, em virtude de ter sido promulgada a Lei nº. 13.964/19, que acrescentou ao CPP os arts. 3º.-A a 3º.-F. Não simpatizo com o nome. Acho que o termo “garantia” nos dias atuais remete ao termo “garantismo”, expressão tão criticada de forma diminuta e pejorativa pelos neófitos e fascistas de plantão, com excesso de teorias punitivistas no seu discurso atual. O que é uma pena. Certamente o termo cunhado e desenvolvido por Ferrajoli não tinha esse objetivo.

Entretanto a nova lei muda a perspectiva criminal, a visão processual e a forma de atuação dos profissionais. Esse giro da lei que já se fazia necessário trouxe várias alterações: prazo de reavaliação de prisões preventivas, cadeia de custódia probatória, exigência de um sistema acusatório, prazos prescricionais em percentuais, ou seja, a reforma embora pontual, modificou vários institutos, inserindo as relações jurídicas de última “ratio”, num local há muito exigido por todos os profissionais que lutam por um processo penal democrático.

Por mais absurdo que pareça quis o destino que esta lei surgisse em um período de trevas, de tamanho retrocesso e obscurantismo na cultura jurídico-penal brasileira, carente que está de profundas ideias e de decisões punitivistas, utilitaristas, eficientistas, populistas, conservadoras e retrógradas. Sem dúvidas, o Juiz das Garantias trata-se da mais importante alteração legislativa já vista no Brasil. As reações de parcela da comunidade jurídica não são boas como sempre e vem dos mais variados setores de nossa comunidade jurídica, desde o Poder Executivo, até de uma grande e muito bem significativa parcela do Poder Judiciário e do Ministério Público.

A verdade é que alguns desses segmentos com viés corporativos e que ora impugnam a nova lei, (AJUFE, AMB, CNMP) nunca se levantaram para a melhoria do sistema processual penal brasileiro e para uma nova reformulação da politica prisional. Exigir uma atuação efetiva do poder público, responsabilizando o sistema, nunca foi um tema a ser abordado por essas instituições.

Como são na sua essência, corporativistas, pretendem a todo o custo, preservar um status quo processual lacônico e atrasado, mantendo uma autoridade que não se sustenta nos dias de hoje. Triste. Isso nos mostra a dificuldade que será a sua efetiva implementação tal qual foi a audiência de custódia recheada de críticas vazias e já implantada de forma capenga pelos Tribunais, e que ainda não foi bem digerida por alguns setores da comunidade jurídica. Da mesma forma, a atualíssima lei de abuso autoridade não é diferente e encontra a mesma resistência.

É impressionante mesmo, como muitos integrantes do Ministério Público e do Poder Judiciário teimam em conservar o processo penal brasileiro como aquele concebido no século passado, nos anos 40, de tendência rigorosamente fascista, autoritária e inquisitorial. É de assustar também a forma como essa mesma gente, sem qualquer embasamento teórico ou científico, abrindo mão de argumentos falaciosos, de pesquisas sem base, trata de uma maneira tão rasa e simplista a criação do Juiz das Garantias. É desanimador esta resistência, pois tais reações tornarão difícil que se instaure no País este novo sujeito processual. Será uma tarefa árdua para os defensores de um processo penal democrático e de matriz acusatória.

Na verdade, a figura do Juiz de Garantias, já era exigida pela Constituição Federal, mas, como se sabe, aqui no Brasil é preciso que a lei ordinária também o diga, pois há quem sempre teime em interpretar a Constituição à luz da legislação ordinária, e não o contrário, como tem que ser. Trata-se de um verdadeiro método interpretativo à brasileira e, o que é pior, ensinado em nossas faculdades de direito e disseminado em salas de audiência, em sessões de tribunais e em gabinetes de Juízes e membros do Ministério Público.

Com efeito, teremos, em regra, dois juízes competentes: um que atuará na fase de investigação criminal (atendendo, sempre que solicitado, aos pleitos da Polícia e do Ministério Público), e outro que terá competência para instruir o processo e julgar o acusado, liberto (este segundo Juiz), das amarras próprias de uma parcialidade forjada a partir do conhecimento dos elementos informativos colhidos durante a investigação criminal, sem a observância dos postulados do devido processo constitucional.

Enfim, a nova lei retirou à possibilidade do Juiz andar de mãos dadas com o Ministério Público, numa verdadeira saga acusatória, função essa fora de suas balizas constitucionais, afastando-o do combate à criminalidade e o colocando no seu devido lugar: a nobre função de “julgar”. Simples assim. O processo penal brasileiro deixa de ser o “processo pônei e fofo”, para enfim, se transformar no “processo penal 4.0”, com investigações defensivas, garantidor de direitos e com uma razoável paridade de armas. A questão é saber se todos esses esforços na prática ocorrerão, pois uma coisa é o que a lei diz e outra bem diferente é a sua aplicação efetiva pelos desertores e dissidentes de plantão. Oremos!

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