A Investigação criminal é monopólio dos órgãos públicos? A pergunta é provocadora tendo em vista o Provimento 188 emanado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil de 11 de dezembro de 2018 que regulamentou a atividade de investigação criminal desenvolvida pelos advogados.
Alguns setores já se manifestaram pela sua inconstitucionalidade como a nota técnica emitida pelo Grupo Nacional de Coordenadores do Centro de Apoio Criminal do Ministério Público tanto na seara formal por vício de origem, quanto pelo seu conteúdo material, por entenderem que não há amparo na Constituição Federal e nas normas legais e infralegais que dão sustentação ao exercício da advocacia.
Nos parece, que embora o provimento emanado pelo órgão de classe não tenha supedâneo para se espraiar de forma vinculante no ordenamento jurídico brasileiro, a iniciativa do órgão para marcar território da defesa e de alguma forma trazer isonomia às partes que atuam no processo penal, é muito bem-vinda.
Isso porque a investigação defensiva não visa favorecer quem esteja sendo acusado de um determinado delito, e sim, o esclarecimento dos fatos com o objetivo de trazer luz ao seu destinatário final. Em regra, o Juiz. É comum a alegação de que o Delegado de Polícia tem interesse na investigação, o que, além de tecnicamente incorreto, é absurdo. A autoridade policial tem por objetivo adiantar e reunir elementos de prova com isenção, e encaminhá-los ao representante do Ministério Público, titular da ação penal, que tomará as medidas que entenda necessárias para o exercício da ação criminal ou até mesmo requerer o pedido de seu arquivamento.
Isso não desmerece em nada a importância da autoridade policial que investiga e apenas a coloca dentro do lugar que ela ocupa no sistema acusatório que é o que prevalece no Brasil. Por essa razão, não há como entender que a investigação criminal possa ser exclusiva dos órgãos públicos quando o seu único objetivo é esclarecer os fatos e sem dúvida, trazer ao caderno investigatório elementos de prova eficazes.
Se não bastasse isso, há previsão em institutos internacionais como a Convenção Americana de Direitos Humanos no seu artigo 8º, prevendo o direito do acusado a atividade probatória. Registre-se que em relação aos dispositivos internos, a assertiva só se reforça, eis que a ampla defesa e o contraditório previstos no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal dão sustentação substancial para a investigação defensiva criminal.
Com o devido respeito a alegação de que a defesa não pode realizar investigações contraria inclusive toda a celeuma em tempos recentes que se criou em relação a possibilidade do Ministério Público investigar, pois a Constituição Federal da mesma forma, não autoriza expressamente o órgão a realizar investigação, e isso só ocorre porque há jurisprudência favorável do Supremo Tribunal Federal e normas autorizadoras abertas oriundas do Conselho Nacional de Ministério Público. Portanto, é anêmica tal alegação.
É obvio que nem todos os escritórios de advocacia poderão se utilizar desse mecanismo na sua inteireza, seja por sua estrutura, seja por deficiência técnica de seus parceiros, e certamente, alguns poucos afirmarão que apenas terão direito a esse desenho defensivo aqueles que tiverem condições financeiras. Mais um desatino.
Regulamentado tal instituto, as Defensorias Públicas poderão ter muito mais orçamento e estrutura para se organizarem, oferecendo um serviço de maior qualidade aos hipossuficientes e vulneráveis.
Há ainda diversos países do mundo onde a investigação defensiva é uma realidade, conforme pode-se verificar na Itália e Estados Unidos e a sua implantação não se deu com maiores dificuldades, o que foi feito com pequenas alterações legislativas. A iniciativa do Provimento 188 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil não afasta obviamente que a implantação passe necessariamente por leis e as devidas regulamentações, inclusive, oriundas da própria Defensoria Pública.
Em suma, não há qualquer dificuldade em possibilitar a investigação defensiva criminal para a defesa tendo como legitimados a advocacia e a Defensoria Pública, sobretudo, porque tal iniciativa, propiciará, além da isonomia e paridade de armas, uma grande proteção ao cidadão investigado ou acusado de um crime, evitando, por vezes, levar a cabo investigações que não conduziriam a nenhum resultado efetivo