Condenação injusta para Preto Pobre e Periférico. Até quando?

O artigo 226 do Código de Processo Penal trata do reconhecimento de pessoas, e é utilizado tanto pela autoridade policial, quanto pelos magistrados em nosso sistema de justiça criminal para a apuração de autoria de um determinado delito. É um instituto que estabelece um procedimento padrão que a autoridade deve seguir para minorar consideravelmente os erros e as injustiças que podem ocorrer com uma pessoa acusada de um delito.

Na realidade prática do cotidiano investigativo e judicial, dificilmente as autoridades acatam o que está previsto na legislação sob o anêmico argumento de que não existe estrutura para cumprir o que está preconizado na lei. Na maioria das vezes, os Tribunais Superiores chancelam essa postura alegando que a lei não obriga e sim recomenda que na medida do possível, seja realizada na forma como a lei prevê, ou seja, enxergam, o que está previsto na lei, como mera recomendação.

O resultado disso são inúmeras prisões cautelares e condenações injustas de pretos, pobres e periféricos pautadas por um procedimento vetusto e arcaico que tem enorme impacto no resultado do processo em pleno século XXI que sequer é seguido pelos profissionais da área. Nas palavras de Jana Matida em relação a questão probatória em alguns casos: “O Brasil faz das injustiças manifestas, coisas de todo dia”.

Nas últimas semanas, ganhou o noticiário, graças a iniciativa de familiares e amigos, a informação de que dois jovens com características parecidas (pretos, pobres e periféricos) foram presos por reconhecimentos feitos através de fotografias em álbuns de suspeitos, elaborados nas delegacias de polícia por critérios de investigação.

Não é nenhuma novidade para os profissionais que atuam na seara criminal, a ciência de que nesses locais, se encontram dezenas de álbuns de fotografias de suspeitos, moradores de rua e usuários de drogas que servem de referência para autoridade policial no auxílio das investigações. É esse sistema arcaico e de absoluta falta de critério que serve de diretriz na maioria das vezes, para que uma vítima e testemunha aponte para uma foto e indique que se trata de pessoa que cometeu o crime.

A partir daí, o Delegado, membro do Ministério Público e a autoridade judicial, apenas repetem, o que todos nós conhecemos: caminham na direção daquilo que supostamente acreditam para um desfecho condenatório sem ao menos duvidar daquilo que precariamente foi produzido. Chamamos isso de dissonância cognitiva.

Seria importante que em pleno século da tecnologia, onde avançam os estudos de inteligência artificial, tivéssemos um olhar mais crítico sobre o reconhecimento de pessoas, eis que não é novidade para aqueles que se dedicam ao estudo da prova, de que a utilização inadequada deste instituto pode apresentar graves riscos de falsos positivos por indução, eis que tal conduta depende da memória humana que possui limitações de todos os gêneros tais como: efeito estresse, efeito disfarce, rapidez do evento e uma infinidade de outras circunstâncias que coloca em risco a qualidade probatória.

A memória humana não funciona como um filme, no qual os acontecimentos de nossa vida ficarão guardados e a partir daí, bastaria selecioná-los sempre que precisarmos. (Loftus, Stein, Wells). Não há segurança e muito menos qualidade epistêmica nesses tipos de prova que sequer seguem o rito da lei, transformando o depoimento da testemunha em mero achismo.

Quem milita na seara criminal sabe que a qualidade da prova para os que não tem visibilidade e recursos são desprezadas numa sucessão de erros e indiferença no trato de processo criminais envolvendo essas pessoas. Jamais em toda minha militância na advocacia criminal vi alguém com recursos financeiros não utilizar de todos os meios de prova possíveis e mais sofisticados para questionar acusações, muitas das vezes, injustas na sua forma e conteúdo.

O que assistimos agora, através da televisão e das redes sociais é algo que ocorre há dezenas de anos, sem nenhuma ação do legislador e do Estado. Para o pobre, preto, periférico e o homem comum, são necessários os gritos das famílias e amigos nas portas do cárcere e de iniciativas como “Project innocence” inspirados nos EUA para que essas pessoas possam ser ouvidas e tenham um processo digno em pleno Estado Democrático de Direito. A palavra é clichê, mas o óbvio sempre precisa ser dito: Até quando?

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