Por incrível que pareça, houve um tempo na terra que a prisão de pessoas numa cela sequer era cogitada nas resoluções de conflito. A vingança privada através de leis como a do Talião (olho por olho e dente por dente) era aplicada, primeiro no seio do lar, pelo “pater famílias”, depois a todos aqueles que possuíam um desvio dos costumes em determinada comunidade.
Apenas quando o Estado passou a ser o detentor da pena e a decidir o destino de seus súditos, não menos cruel, através dos suplícios, galés, guilhotina e acoites, a pena de prisão foi pensada para amenizar os rigores das sentenças proferidas.
Becaria, muito nos esclareceu, mas foi em “vigiar e punir” de Michel Foucault que houve uma descrição cognitiva da trajetória histórica das mortes por tortura como uma das alternativas mais brandas da fuga da crueldade do corpo para o martírio da alma.
O tempo avançou, a modernidade chegou, mas as prisões, embora mais amenas em relação a crueldade daqueles idos, continuam a ser as mesmas masmorras dos tempos medievais. A prisão nunca, jamais, e, em tempo algum disse a que veio e talvez, por sua natureza, do flagelo de atingir não só o corpo que está privado de liberdade, mas a alma, fruto das condições desumanas vivenciadas no dia a dia dos presos, seja tão criticada pelos criminólogos e tão comemorada pelos punitivistas de plantão, que a enxergam como a salvaguarda da sociedade. Por isso, o espanto, de quem conhece a história, ao nos depararmos com a tentativa de fazer do Juiz o grande protagonista da prisão ao lado daqueles que investigam.
O grande dilema dos juristas do nosso tempo é tentar explicar a prisão de alguém que cometeu um delito, mormente de natureza grave, aos cidadãos comuns e leigos diante do populismo penal midiático que se instala a cada crime cometido. Não é uma tarefa muito fácil no Brasil explicar para as pessoas que a regra prevista na nossa Constituição é a liberdade e a prisão é sem nenhuma dúvida, uma exceção.
Dizendo de outro modo, é aquela figura ou personagem caricato meliante conhecido dos filmes americanos em que sendo autor do delito goza de todos os direitos constitucionais e quando detido sem provas, após a sua oitiva é liberado, ou quando preso, paga a sua fiança, normalmente, como meio de garantir a instrução processual para aguardar o seu julgamento em liberdade, até que o sistema de forma célere, determine, enfim, o seu recolhimento a prisão.
É razoável que as pessoas que desconhecem o direito questionem a diferença de uma prisão cautelar e uma prisão penal. No mínimo soa estranho aos leigos, uma prisão sem certeza, e oras, para os neófitos, se o suposto autor de um delito foi preso ou até mesmo está sendo investigado, porque não dizer que o fato já está consumado e tudo concluído. Todavia, no campo do direito, as coisas não são e não podem ser assim. Há razões para que elas sejam diferentes e os profissionais do direito, não podem utilizar da opinião pública, da grande massa ou da multidão enfurecida para antecipar uma pena de forma cautelar.
Todos nós sabemos, sob pena de não atuarmos dentro da ética e da ciência do direito que a adoção de uma ou mais medidas invasivas da liberdade estritamente previstas no ordenamento jurídico para que possa se desenvolver de forma regular e consiga alcançar uma solução de mérito deve ser pautada nos estritos limites constitucionais. Diferente postura, desvirtua os fins típicos das normas de direito e subtrai postulados que foram trilhados a séculos ao longo de nossa história.
Se a prisão aos especificamente violentos, é um fato que não podemos por ora deixar de dispor, também não deixa de ser verdadeiro que devemos utilizá-la dentro das balizas constitucionais, sob pena de deixarmos avançar os ventos do arbítrio numa ameaça sem precedentes a Democracia. Essa degeneração da prisão através da convocação de magistrados ao enfrentamento da corrupção apenas fragiliza o equilíbrio processual na metáfora da balança da justiça. A prisão por certo não deveria existir, ela é nos dias atuais, o abismo entre a morte do corpo e da alma e vem olhando pra nós, tal qual a frase de Nietzsche, nos fazendo sucumbir a cada dia diante dela.