De acordo com o Professor Paulo Queiroz[1], “a lei não fixou um prazo máximo de duração da prisão preventiva, tal como ocorre com a prisão temporária, no entanto, há obrigatoriamente uma previsão de que sejam reanalisados os seus fundamentos a cada 90 dias (CPP, art. 316, parágrafo único). Portanto, a prisão vale apenas por esse lapso temporal. Caso, decorrido o prazo legal, sem pronunciamento judicial algum, a prisão tornar-se-á ilegal, devendo ser relaxada. Esse reexame é obrigatório e não depende de provocação das partes”.
O art. 316 e seu parágrafo único do CPP preconiza o seguinte:
“O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem”.
Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.
Na mesma linha do autor, também nos parece que não há dúvida de que o dispositivo é aplicável aos juízes e aos tribunais, nas ações penais originárias, os quais devem reapreciar, a cada noventa dias, os fundamentos da prisão preventiva.
No caso dos juízes, durante as investigações tal análise competirá ao juiz de garantias, caso haja a manutenção desse instituto, oriundo da lei 13.964/19[2] e, uma vez instaurado processo, ao juiz da instrução e julgamento. Nas ações penais originárias, caberá da mesma forma, ao desembargador ou ao ministro relator reexaminar a medida extrema.
Cabe salientar que em recente julgamento o STJ (Ministra Laurita Vaz) entendeu que: “a obrigação de revisar de ofício a necessidade da prisão preventiva a cada 90 dias é imposta apenas ao juiz ou ao tribunal que decretou a medida. Segundo ela, seria desarrazoado, ou mesmo inexequível, estender essa tarefa a todos os órgãos judiciários competentes para o exame do processo em grau de recurso”.
HABEAS CORPUS Nº 589544 – SC (2020/0144047-4) RELATORA: MINISTRA LAURITA VAZ IMPETRANTE: JAISON DA SILVA ADVOGADO: JAISON DA SILVA – SC025147 IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA PACIENTE: DANIEL DA SILVA (PRESO) INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA DECISÃO[3]
De outra sorte, o Ministro Gilmar Mendes em março deste ano analisando um recurso do Ministério Público já se manifestou “obter dictum” que deve ser observado o prazo de 90 dias. Em seu voto, o ministro observou que “a reforma legislativa operada pelo chamado “pacote anticrime” (Lei 13.964/2019) introduziu a revisão periódica dos fundamentos da prisão preventiva, por meio da alteração do artigo 316 do CPP”.
Ementa: 1. Agravo regimental em habeas corpus. 2. Penal e Processual Penal. 3. Operação Deu Zebra. Prisão preventiva. Falta de demonstração concreta dos requisitos do art. 312 do CPP. 4. Ausência de contemporaneidade. 5. Paciente permaneceu em liberdade durante a instrução do processo. 6. Adequação das medidas cautelares diversas da prisão. 7. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, 2020)[4]
Certo é que a lei não resolve, porém, essas questões: proferida a sentença ou acórdão condenatório (na ação penal originária), se ainda persistirá esse dever legal de revisão da prisão preventiva; em caso afirmativo, se esse reexame deve ser feito pelo próprio juiz que decretou a prisão ou se pelo tribunal ad quem.
Segundo uma interpretação literal do artigo, uma vez proferida a sentença penal condenatória, cessaria a necessidade de reexame da prisão preventiva, seja porque o caput do art. 316 fala de “juiz”, “no correr da investigação ou do processo”, seja porque o parágrafo único dispõe que deverá “o órgão emissor da decisão”. Mas mesmo uma interpretação literal permite ler-se “juiz” como “desembargador” ou “ministro”, na ação penal originária, já que atuam aí como se fossem juízes de primeiro grau. Além disso, o tribunal é aqui o órgão emissor da preventiva.
Parece que não teria sentido a lei ter que ser expressa nesse sentido e especificar Desembargador ou Ministro, a não ser que se queira dar uma interpretação utilitarista do processo com o nítido desejo de não sobrecarregar os Tribunais.
E conclui o Mestre: “Por uma interpretação constitucional, o reexame da preventiva deve ser feito continuamente enquanto não transitar em julgado a sentença, seja pelos juízes, ainda que por delegação do tribunal, seja pelos próprios tribunais, visto que a prisão preventiva, enquanto não houver trânsito em julgado da condenação, tem caráter provisório, devendo, por isso, ser revista permanentemente e a lei é clara em afirmar que a falta de reexame tornará a prisão ilegal, pois a lei não previu nenhum tipo de exceção no particular e da mesma forma, não faria sentido exigir-se tal providência apenas em primeira instância, isentando os tribunais desse dever, em manifesto prejuízo do condenado”.
Referências Bibliográficas
STJ. (22 de 06 de 2020). HABEAS CORPUS : HC 589544 SC 2020/0144047-4. Relatora: Ministra Laurita Vaz. DJ: 22/06/2020. Acesso em 10 de 07 de 2020, disponível em JusBrasil: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/869776144/habeas-corpus-hc-589544-sc-2020-0144047-4
STF. (03 de 03 de 2020). HC 179859 AgR / RS – Rio Grande do Sul. Relator: Ministro Gilmar Mendes. DJ: 03/03/2020. Acesso em 10 de 07 de 2020, disponível em JusBrasil: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5835629
BRASIL. (24 de dez de 2019). LEI Nº 13.964, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2019. Presidência da República. Acesso em 10 de jul de 2020, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm
https://www.pauloqueiroz.net/sobre-a-revisao-obrigatoria-dos-fundamentos-da-preventiva/
* a maior parte do texto é integralmente de autoria do Professor Paulo Queiroz, foram feitas apenas acréscimos e atualizações.
[1] https://www.pauloqueiroz.net/sobre-a-revisao-obrigatoria-dos-fundamentos-da-preventiva/
[2] BRASIL. (24 de dez de 2019). LEI Nº 13.964, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2019. Presidência da República. Acesso em 10 de jul de 2020, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm
[3]STJ. (22 de 06 de 2020). HABEAS CORPUS : 589544 SC 2020/0144047-4. Relatora: Ministra Laurita Vaz. DJ: 22/06/2020. Acesso em 10 de 07 de 2020, disponível em JusBrasil: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/869776144/habeas-corpus-hc-589544-sc-2020-0144047-4
[4] STF. (03 de 03 de 2020). HC 179859 AgR / RS – Rio Grande do Sul. Relator: Ministro Gilmar Mendes. DJ: 03/03/2020. Acesso em 10 de 07 de 2020, disponível em JusBrasil: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5835629