A divergência da semana é a batalha jurídica travada no palco do Supremo Tribunal Federal para saber qual o momento que o acusado que foi delatado deve apresentar as suas alegações finais. Juntamente com o delator ou após a sua manifestação? Não é preciso muito esforço jurídico para perceber que o delator ao elaborar um contrato com o Ministério Público em que seu dever é delatar e acima de tudo, trazer provas do que fala, leva ao processo uma enorme carga probatória contra o delatado.
Num primeiro momento a 2ª Turma do STF acolheu a tese que o corréu delatado deve apresentar alegações finais por último, pois o corréu delator tem uma posição processual com enorme carga acusatória contra o réu delatado. Nesse sentido, a apresentação de memoriais em prazo comum representaria uma violação ao contraditório e à ampla defesa, na medida em que não seria possível ao delatado fazer o confronto da manifestação incriminatória veiculada contra ele. Essa discussão voltou à pauta no Tribunal Pleno nesta semana, na apreciação de novo HC, e embora não tenha se encerrado, o quórum de votação, já deixou claro que ela se manterá nos mesmos termos em que foi decidida pela 2ª. Turma.
A decisão do STF não poderia ser outra, e não precisa de maiores indagações, mas é preciso alertar que ela não é suficiente: a decisão do STF é limitada nos termos propostos e não resolve a divergência, pois não basta o delator ser ouvido antes dos demais, ele precisa ser ouvido antes das testemunhas de defesa! Esse ponto foi abordado em excelente artigo da lavra de Aury Lopes Júnior, de que a decisão do STF não alcançou essa possibilidade.
Segundo Aury: “O colaborador premiado precisa ser ouvido, na instrução, antes das testemunhas de defesa, pois estamos diante de sensíveis questões de prova e contraprova, que influenciarão diretamente o juiz da causa”.
É despiciendo lembrar que só há “prova” no processo quando os elementos são submetidos ao contraditório. Mesmo que a Lei 12.850/13 não indique qual é o momento adequado para oitiva do delator, a conclusão adequada deve se dar pela compreensão do alcance da garantia do contraditório, da ampla defesa, da instrumentalidade constitucional e das imposições do sistema acusatório constitucional vigente, que estrutura a cadeia de significância do processo penal.
É importante delinear ainda em qual momento a delação será feita e deve-se restringir o alcance deste posicionamento à situação específica em que o delator tenha assinado o contrato com a Polícia ou Ministério Público antes do início da instrução processual: nessa situação se tem conhecimento desde o início da produção de provas que existe um compromisso do delator com a hipótese acusatória e da carga probatória por ele trazida ao processo. Caso ele tenha assinado o contrato após a sentença ou durante a tramitação do Recurso Especial por exemplo (a lei de lavagem de dinheiro permite colaboração a “qualquer tempo”), a princípio não incidiria a tese – pois não haveria compromisso probatório com a hipótese acusatória do caso concreto.
É preciso que se diga que na hipótese aventada, o delator acusado é uma figura híbrida, mista, que serve como prova trazida pela acusação e para comprovação de sua tese, ainda que também esteja sendo acusado (mas, com a peculiaridade, de que irá assumir a hipótese acusatória e com ela ‘colaborar’, para obter o prêmio). Essa hibridez exige um tratamento diferenciado dos padrões estabelecidos até então.
O Supremo Tribunal Federal deu um passo importante no fortalecimento das garantias constitucionais, embora ainda insuficiente, mas deve continuar protegendo o contraditório e a ampla defesa, garantias que devem ser amadas literalmente pelos atores do processo penal, pois conquistadas a duras penas na história da humanidade. Nunca é demais assegurar que o respeito a Constituição jamais será sinônimo de impunidade. Aliás, essa relação está diretamente ligada ao grau de evolução de uma nação.