In dubio contra o reo

Falo dos bordões jurídicos utilizados como argumentos de autoridade para justificar a decretação de prisões cautelares das pessoas, que não encontram respaldo em nenhuma pesquisa. Não é porque um brocardo seja repetido ou um elemento normativo consta da descrição típica de uma lei, que não necessitemos saber de onde tal palavra ou frase se origina e qual a sua finalidade no campo das construções jurídicas.

Um argumento muito utilizado na área criminal e que não está previsto em nenhuma norma é o “in dubio pro societate” ou “in dubio contra o reo” significa dizer que na dúvida num determinado momento processual ou inquisitivo, a decisão irá pender para a proteção da sociedade e não para favorecer o acusado. Da mesma forma que existe no nosso ordenamento jurídico o “in dubio pro reo” que é sustentado pelo princípio da presunção da inocência, garantia fundamental prevista na nossa Constituição, que determina que na dúvida não se pode condenar uma pessoa, o fundamento do “in dubio pro societate” é a presunção de culpa processual à margem da lei, levantada nos idos de 1940 por Vincenzo Manzini na Itália.

Nunca houve essa previsão no nosso arcabouço jurídico que foi criada por alguns doutrinadores sem nenhuma pesquisa sobre o tema e serve de pano de fundo para se contrapor a uma garantia constitucional. Essa expressão odiosa também tem na sua origem as reformas penais levadas a termo pela Alemanha Nazista no período da segunda guerra mundial comandada por Adolf Hitler.

Embora esse argumento não tenha se mantido formalmente durante esse tempo, não se pode dizer que ele ainda não remanesça no espírito de alguns juristas que tiveram essa influência em estudos pelo mundo a fora voltados a punir mais e mais, sob a justificativa de um suposto interesse estatal ou interesse coletivo.

Da mesma forma o termo “ordem pública” este sim, cunhado na lei para a análise dos pressupostos de uma prisão preventiva, é uma variação do “in dubio pro societate”, pois a perspectiva é sempre de inserir no argumento, a ideia de uma ordem metafisica de suposto interesse nacional, sem nenhuma metodologia ou pesquisa séria para se aferir essa fundamentação. O que é a ordem pública? É a retórica do argumento puramente vazio e abstrato.

O que assusta é que isso se reproduz ao longo do tempo e por mais que a boa doutrina (Diogo Malan, Geraldo Prado, Paulo Thiago Fernandes Dias, Alexandre Morais da Rosa) tente demonstrar que a fundamentação para a existência desse adágio ou dessas expressões seja o autoritarismo, tais afirmações não surtem o efeito desejado, principalmente, nos Tribunais de Justiça, casa, que deveria zelar pela garantia dos direitos fundamentais.

Infelizmente, essas narrativas autoritárias se amparam nesses atalhos que dizem tudo e não dizem absolutamente nada, e é por esse caminho pantanoso de frases soltas que são fundamentadas algumas condenações e prisões no nosso país.

Não faltam fundamentos sem sentido nessas decisões e por mais esforço teórico que possamos fazer, eles não se sustentam a uma análise detida e crítica. Vejamos por exemplo a insistência da decretação da prisão de uma pessoa de ofício pelos juízes sem nenhum pedido da autoridade policial ou do Ministério Público. Qual o fundamento do Juiz sair por ai decretando prisões sem requerimento da investigação, mesmo em flagrante delito, contrariando o sistema acusatório como um todo? Alguns diriam que mesmo após a reforma do Código de Processo Penal que privilegiou o sistema acusatório, o Juiz não estaria impedido de decretar a prisão de ofício. Por outro lado então, qual o sentido de se enviar ao membro do Ministério Público para análise, um pedido da defesa por liberdade provisória ou revogação da prisão preventiva? A resposta não é simples: mas ela pode ser presumida. Então para prender alguém, o Juiz pode fazê-lo de ofício com intromissão direta na investigação, todavia, para conceder a liberdade para um ser humano, a autoridade judicial precisaria de certo aconselhamento?

Enfim, é a lógica da manutenção do autoritarismo no Direito que se arrasta no tempo. A lógica do sistema de justiça criminal privilegiando adágios e fundamentos ocos sem nenhum sentido prático com objetivo puramente punitivista. Como sempre, a lógica da prisão pela prisão.

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