Uma coisa é você ter uma opinião formada sobre tudo como dizia Raul Seixas, outra bem diferente, é dar pitaco jurídico em análises que sequer poderia ser feita por alguém que não tem a menor ideia sobre o que está falando. Como diz Umberto Eco: a internet criou uma legião de imbecis. A rede social virou terra de ninguém e de todos ao mesmo tempo, onde os pseudos-especialistas das redes sociais, saem em debandada por diversos aplicativos, espalhando fake news ou proferindo ataques agressivos, e pré-julgando as pessoas. Esses, eu compreendo.
Mas o que tem chamado atenção nas últimas semanas e surpreendido é a conveniência do discurso jurídico pelos verdadeiros profissionais da área do Direito, contrariando suas convicções acadêmicas e seus próprios artigos científicos, tudo no sentido de mostrar que navegam na onda do populismo penal para não cair em desgraça com a suposta opinião pública e seus seguidores.
É fácil entender que a maioria da população leiga nos assuntos da lei, queira a qualquer custo, criminosos presos, estupradores e corruptos que se aproveitem de um momento pandêmico como o que atravessamos, apodrecendo nas prisões fétidas do nosso país, desejando também arduamente que o Supremo Tribunal Federal, “combata o crime”. Compreensível. Não é difícil entender que a suposta opinião pública de que todos falam, cingem-se às grandes corporações de televisão, jornal e empresários, pois a população em geral, normalmente, declara suas opiniões nas redes sociais e nos seus respectivos aplicativos. E há os que, ao menos neste momento, estão muito mais preocupados em arrumar um emprego e sobreviver.
Todavia, choca, e é incompreensível perceber que alguns profissionais que atuam no sistema de justiça criminal sejam tragados pelo senso comum e se deixem levar por discursos populistas que afrontam direito e garantias individuais, o devido processo legal e a presunção de inocência, rompendo com o seu juramento de respeitar a Constituição Federal. Chega a ser inusitado encontrar alguém da área jurídica, seja Juiz, Advogado, Promotor, Defensor Público ou Professor seguir junto com a onda de emoção da população. É como assistir um médico discursar sobre apoiar a pena de morte no Brasil, ou seja, um verdadeiro contrassenso que só se justifica por razões de conveniência, falta de preparo, medo ou ingenuidade.
É óbvio que isso não significa que os profissionais que atuam na área do Direito não tenham opiniões pessoais ou concordem com o criminoso ou até mesmo com o ato cometido, no entanto, é preciso separar as coisas quando se atua profissionalmente numa área tão sensível como a jurídica. Qualquer opinião expressa atinge sempre um grande número de pessoas, sobretudo, se avalizadas pelos técnicos.
De forma, análoga, um médico não diz nos jornais sem nem mesmo conhecer o caso, que determinado paciente atendido por outro colega, terá uma morte certa, pois seu diagnóstico está equivocado, ou até mesmo, declara que o paciente vai adoecer num leito de hospital, pois seu estilo de vida contraria a sua vida saudável. O médico não julga seus pacientes, muito menos se sobrepõe ao profissional que seja responsável pelo diagnóstico. Da mesma forma, juristas não podem alardear pelos quatro cantos do mundo que determinado acusado de um crime não merece o benefício da dúvida e que deve ser condenado sem antes ter esgotado todas as suas possibilidades de defesa. A presunção de inocência, especificamente para os profissionais da área do direito é um verdadeiro dogma não podendo ser apenas conveniente ou meramente retórica, ainda que o fato em si seja desprezível ou abjeto. Ou ela tem uma aplicação efetiva no nosso país pelos seus operadores ou é melhor não a termos previsto na Constituição Federal.
É absurdo pensar que alguns profissionais sem conhecer o processo detalhadamente e tendo apenas ciência sobre elementos superficiais de prova que os meios de comunicação divulgam sem nenhum critério, saiam levianamente tecendo conclusões apressadas sobre processo de outros colegas. Não pode ser ética uma conduta realizada dessa maneira. Uma coisa são os órgãos de comunicação divulgar aquilo que entendem interessar para a população, outra bem diferente, é observar profissionais que estudam diariamente e desejam um processo penal democrático, embarcar nesse navio sem rumo, ofuscados por uma vaidade sem limites e um poder que não detêm.
Por fim, temo que essas iniciativas enfraqueçam ainda mais a tão frágil presunção de inocência e isso certamente seria uma tragédia para todos nós. Lenio Streck, sinaliza sobre sermos inautênticos em nossas posturas recheadas de ideologias ao longo do caminho: “o simbólico está colonizado por um discurso ideológico que não permite a possibilidade de o sujeito dar-se conta do mundo.” Juristas ainda há tempo. Arrependei-vos.