O Mundo da Política não é o mundo do Direito

Indo direto ao ponto, com a notícia da inacreditável prisão do Deputado Federal Daniel Silveira, que foi preso em flagrante em sua residência após divulgar um vídeo com diversas ofensas e ameaças a Ministros do STF. Quem assistiu na íntegra não tem dúvidas do quanto as palavras do parlamentar são recrimináveis. O baixo nível das ofensas supera qualquer coisa que já se tenha visto em matéria de críticas a uma instituição, inclusive com ofensas pessoais aos Ministros.

Extrapolou em muito o Deputado, a prerrogativa que tinha sobre a sua imunidade material, eis que a liberdade de expressão encontra limites na lei e, muito do que disse constitui crime, todavia, não se pode deixar de analisar as consequências jurídicas da decisão do Ministro Alexandre de Moraes, que sem dúvida pode se tornar um precedente perigoso, caso mantido dessa forma. É obvio que não há nenhuma dúvida de que se trata de uma medida política, mas ela pode ter um efeito cascata.

Para boa parte dos especialistas o Supremo Tribunal Federal errou quando decretou a prisão em flagrante de um Deputado em pleno exercício de seu mandato, já tendo como origem um inquérito muito questionável que tramita no próprio Supremo.

Alargou em muito, a hipótese de crime permanente de uma gravação em vídeo, sob o argumento de que ela se repete na rede mundial de computadores cada vez que alguém a acessa. Não se pode negar que o mundo mudou e que a tecnologia nos traz outras formas de interpretar o crime na relação espaço e tempo, mas a lei ainda não mudou nesse aspecto e essa interpretação, não pode ser utilizada.

Da mesma forma, não se pode confundir ainda crimes previstos constitucionalmente como inafiançáveis com fatos concretos que impedem a concessão de fiança. E foi esse um dos cernes da decisão. Registre-se que o Supremo já relativizou essa questão excepcionalmente, pelo menos em um caso.

Com todo o respeito, o Ministro confunde, acho que intencionalmente, crime inafiançável, abstratamente considerado de um lado, e situação em que não se concede fiança, de outro. Os crimes inafiançáveis são aqueles previstos no art. 323 do Código de Processo Penal que reproduz as hipóteses constitucionais de inafiançabilidade: Art. 323. Não será concedida fiança: I – nos crimes de racismo; II – nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos; III – nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

Por outro lado, o art. 324, invocado na decisão, trata de situações concretas em que não será possível a concessão da fiança: Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança: – aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código; II – em caso de prisão civil ou militar; III – (revogado) IV – quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312)”.

Logo, no caso do parlamentar, estar presente a situação que justifica a decretação da prisão preventiva (art. 324, IV), não faz com que o crime seja inafiançável (art. 323, I, II e III). Apenas autoriza que, nas hipóteses de crimes afiançáveis, se deixe de conceder a fiança, por ocorrer uma situação de perigo cautelar. E, por que isso é importante? Porque a Constituição somente permite a prisão de membro do Congresso Nacional, depois da expedição do diploma “salvo em flagrante de crime inafiançável”. Mas, como já visto, os crimes dos artigos 17, 18, 22, incisos I e IV, 23, incisos I, II e IV e 26, da Lei 7170/1973 imputados ao Deputado, são todos afiançáveis, embora quem os pratique, num caso concreto, pode estar numa situação que não admita a concessão da fiança.

Agora, infelizmente, sabemos que o mundo da política não é o mundo do direito, e, portanto, apesar da ilegalidade da decisão, a questão de fundo é a preservação da autoridade do Supremo Tribunal Federal como instituição. Há fogo no parquinho da Câmara dos Deputados. Acho que esse pessoal extremista vai precisar muito mais do que um cabo e soldado para tocar fogo no Supremo. Só acho.

CONTATO

Email: moisesrosa@adv.oabsp.org.br
Tel: (35) 3646-0013
Rua São Pedro, 322, Jd Primavera Pouso Alegre-MG

OAB

MG: 178.788

SP: 167.830

Desenvolvido por

Rolar para cima