Nos últimos tempos, tem se observado certa tensão entre os poderes da República. De um lado, o STF invade o campo legislativo, anulando, criando e modulando leis, tentando de alguma forma suprir o descrédito no parlamento. De outro, o Congresso ameaça instaurar CPIs para investigar Ministros da Suprema Corte e anda às voltas com pedidos de impeachment dos mesmos personagens. O Executivo perdido entre os dois, não consegue avançar.
A separação de poderes tão bem trabalhada por Montesquieu em sua obra “o espírito das leis” no Brasil atual, inexiste e o mandamento nuclear constitucional de poderes autônomos e harmônicos está ausente aqui quase por completo. É difícil ter que admitir isso, mas por mais que a cada crise se alardeie que as instituições no Brasil funcionam, não é verdade. Elas literalmente não funcionam ou funcionam muito mal, operando de forma confusa e sem um objetivo claramente definido.
Nas palavras de Bottini: “a tensão entre os Poderes não decorre da mera disposição emocional de seus integrantes, mas de um fenômeno institucional mais profundo e complexo, com desdobramentos ainda imprevisíveis e que precisa ser melhor estudado”.
A divergência dos Poderes da República faz parte do jogo democrático, e no final, deveria sempre prevalecer o que atende melhor aos interesses do país, mas o que assistimos atualmente é a falta de entendimento e coalizão entre eles. Há um jogo de poder difícil de desatar com governantes de egos inflados e que demonstra, além disso, algo muito mais substancial no horizonte. Uma mudança de paradigma na forma como os países conduzirão suas políticas públicas.
O que se vê de forma bastante clara é o desrespeito das decisões de um ou de outro poder, sempre se vislumbrando ganhar a “opinião pública”, que de pública nada possui. Aliás, num país como o nosso como conceituar ou até mesmo encontrar quem é a “opinião pública”? Há muita pressão dos setores privados dominantes e altas categorias de setores públicos que serão atingidas por essas decisões e dependendo do que está em jogo, os mesmos terão amplo apoio ou o mais absoluto silêncio dos grandes grupos de comunicação.
Mais relevante ainda, é perceber que a pauta do país de uns tempos pra cá, passou a ser de cunho penal com forte discurso punitivista e claro objetivo de afastar do jogo político, opositores e inimigos. Basta fazer um retrospecto de 2019 dos assuntos que tomaram conta do país (prisão em segunda instância, plain bargain, acordo de não persecução penal, COAF, delatores e delatados, investigações em curso etc…) para perceber o quanto era claro a utilização de matéria penal no jogo democrático. O direito penal virou arma contra adversários políticos (Lawfare).
Nas palavras de Bauman: “vivemos em tempos líquidos, de conceitos e instituições instáveis e cambiantes. A complexificação das relações políticas, a velocidade da evolução científica e tecnológica, o advento das redes sociais, criaram novas formas de interação e de construção de mundos de vida que aceleram a obsolescência de tudo o que nos cerca, inclusive de valores, dogmas e instituições”.
Há uma nova forma de se fazer política no horizonte, onde a técnica que produz efeito é a destruição do outro como forma de se chegar ao poder, seja através de “fake news”, lawfare ou matéria penal. Resta saber se ao final, o Estado sobreviverá.