No Brasil há sempre uma ideia quase que corriqueira em se criticar sistemas jurídicos estrangeiros e tentar de alguma forma importá-los sem levar em consideração princípios básicos de qualquer teoria, tais como: o tempo em que foi escrito, qual o objeto de seu estudo, o que se busca na sua construção e quais os direitos fundamentais que ela visa proteger. Há quase que um vício de parte da comunidade jurídica brasileira em criticar autores e institutos jurídicos sem realmente se aprofundar ou dar sentido aquilo que sequer foi pesquisado minuciosamente.
Para se falar em garantismo sob a perspectiva de Luigi Ferrajoli, em primeiro lugar é preciso ler de maneira profunda a obra “Direito e Razão”, e perceber a sua dimensão na seara constitucional, no Direito Penal, no Processo Penal e acima de tudo na filosofia do Direito. Podemos não concordar com tudo que o autor sustenta, mas tentar de alguma forma distorcer o que foi escrito, nos parece que seria caminhar em terreno movediço, principalmente, por se tratar de uma teoria que abrange total respeito aos Direitos Fundamentais.
A frase dita muitas vezes de forma pejorativa por parcela punitivista: “Garantismo integral” evidencia profundo desconhecimento de sua obra e enorme degeneração conceitual. Colocações como essas tentam demonstrar aos leigos que tal teoria foi formulada para que só os criminosos tenham proteção, ou seja, sob a perspectiva de alguns, a defesa teria um olhar garantista hiperbólico monocular. (Visão unidirecional voltada apenas para os criminosos).
É preciso dizer que essas frases elaboradas fora de contexto, não se encontram em nenhuma linha da sua obra e na observação sempre precisa de Aury Lopes Júnior, “o que se percebe é que utilizar esses argumentos apenas deixa evidente que essas pessoas gostariam que o autor estivesse dito, o que ele nunca disse”.
Outra vazia fundamentação utilizada para criticar a obra de Ferrajoli é a simplória argumentação de que a teoria desenvolvida despreza a vítima atingida, na maioria das vezes gravemente pela consequência do crime. Essa talvez seja a argumentação mais reducionista, e fora de propósito para se referir à grandiosidade da teoria.
O que o autor pontua e em todos os outros seus escritos, é que até o momento do crime a vítima tem que ser protegida por vários ângulos, mais, principalmente por políticas públicas que evitem o aumento da criminalidade, ou seja, a responsabilidade do Estado começa antes, de forma preventiva, a evitar que o crime seja cometido. Em outras palavras, para a vítima, o garantismo é social. Todavia, a partir do momento que alguém é acusado de um crime se torna o débil, o hipossuficiente na relação jurídica com o Estado e sendo assim, não se pode preterir em nenhum momento dos Direitos Fundamentais que são extremamente importantes para que o devido processo legal avance, limitando o poder e maximizando o sistema de Garantias.
Em suma, após o cometimento do crime, a teoria do garantismo se volta a proteger o acusado, a quem passa a ser o vulnerável diante da força do Estado. Ferrajoli sempre trabalhou com o direito penal mínimo na sua aplicação e o máximo de garantias constitucionais.
É obvio que toda teoria densa, possui fendas que devem ser submetidas ao crivo dos doutrinadores e que necessitam ter seus equívocos apontados, entretanto, alguns pressupostos devem ser levados em conta ao se referir a esta teoria. Ferrajoli nunca foi penalista, processualista ou criminólogo dogmático, e sim, um filósofo do direito e seu livro apenas usa o campo privilegiado penal para a confirmação de sua hipótese, qual seja: a tensão existente entre a liberdade do cidadão de um lado e o poder do Estado do outro. Por óbvio o espaço limitado do artigo não permite explorar mais as ideias de Ferrajolli, mas em obras mais recentes o autor sai do campo penal e trata do garantismo em outros campos do saber.
Por fim, as críticas sobre o garantismo sempre são bem vindas porque ampliam os espaços de conhecimento, todavia, há que se ter o mínimo de embasamento teórico para tecer discordância, pois caso contrário, tais asserções, além de confundir os leitores, servem apenas em época de punitivismo exacerbado, atacar garantias fundamentais sem nenhum conteúdo racional e fundamentado.