Atualmente todo profissional que atua na área criminal não pode ter dúvida de que a estrutura do processo penal brasileiro é acusatória, ainda mais após a promulgação da Lei 13.964/19 que instituiu expressamente o sistema acusatório no Brasil em seu artigo 3º A. E o que significa para os leigos um processo penal com estrutura acusatória? Significa dizer que pelas nossas regras, a função do Estado de investigar, acusar e julgar tem posições distintas no vértice da relação processual.
Embora haja uma vinculação entre aquele que investiga e acusa de forma embrionária por expressa indução do ordenamento jurídico, o Ministério Público ainda atua de forma híbrida, ou seja, um órgão independente e autônomo que dentro do processo penal brasileiro, fiscaliza os atos do poder público, ora atuando como detentor da ação penal, ora fiscalizando a lei, incluindo no ápice desse vértice, o Juiz destinatário final da prova que deve agir dentro das regras do jogo democrático.
E nesse sentido, não é razoável esperar dos órgãos de investigação, uma atuação vinculada ao juiz da causa, planejando estratégias, combinado a forma de ouvir testemunhas, interceptando ligações de acusados fora dos parâmetros legais, muito menos avaliando servidores que seriam ou não os melhores para uma boa acusação.
Durante todo o tempo a defesa de acusados na “Operação Lava Jato” sempre se insurgiu quanto a esses métodos escusos que eram chancelados pelos Tribunais Superiores e que só agora foram reconhecidos totalmente nulos.
O importante dessas decisões, embora tardia, é que na visão da maioria dos juristas ela é muito positiva, porque a preocupação nunca foi com o caso concreto em si, mas sim com a estrutura acusatória que se relativizada, poderia certamente atingir um cidadão de menor expressão.
A Suprema corte tem esse papel de garantidor dos direitos do homem mesmo que para isso tenha que desagradar gregos e troianos. Sua função sempre foi contra majoritária na defesa dos direitos fundamentais não de uma só pessoa, mas sim de todos os cidadãos que por ventura venham a se deparar com um juiz imparcial.
Seria injusto medir a Magistratura e o Ministério Público do país pela régua de atuação de Moro e Dallagnol, mas esse julgamento é a toda evidência, um resgate do papel definidor da Suprema Corte independentemente de qual seja o caso analisado. Há uma esperança de que não se pode atuar sub-repticiamente nos porões da justiça num vale tudo desmedido.
Não se desconhece os ganhos no combate a corrupção do país perpetrada pelos Procuradores, sobretudo, pela capacidade de revelar a forma como se fazia política no país para a maioria da população brasileira. Ninguém tem dúvida dessa inestimável conquista.
Por outro lado, também não se desconhece de que a forma de atuação dessas equipes de investigação trouxeram prejuízos incalculáveis para o Brasil. Dezenas de empresas quebraram literalmente, e segundo o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a operação provocou o desmantelamento de importantes setores da economia nacional, principalmente da indústria petrolífera e da sua cadeia de fornecedores, como a construção civil, a metal-mecânica, a indústria naval, a engenharia pesada, além do programa nuclear brasileiro.
Apenas em seu primeiro ano, estima-se que a Lava Jato retirou cerca de R$ 142,6 bilhões da economia brasileira. Ou seja: a operação produziu pelo menos três vezes mais prejuízos econômicos do que aquilo que ela avalia ter sido desviado com corrupção.”
Isso não tira o mérito da operação, mas demonstra claramente que os investigadores desprezaram o impacto econômico de suas ações, atravessando uma linha que não deveria ter sido transposta, mormente porque acharam que podiam apitar o jogo, fazer o gol e comemorar com o juiz da partida.
Ao ouvir alguém indignado porque vários acusados cometeram crimes de corrupção e que seria injusto essas pessoas ficarem impunes pelos crimes que cometeram ao país, medito, mas quem são os maiores responsáveis pela impunidade que se avizinha?
A história deve cobrar desses personagens que se acharam acima do bem e do mal violando as regras do devido processo legal. Nada, absolutamente nada que essas pessoas digam, juridicamente é defensável. A revolta dos indignados pela impunidade deve aportar com faixas e gritos de basta no endereço de Curitiba. O choro é livre.