Legítima Defesa da Honra

Sempre tive em conta que a tese de legítima defesa da honra além de evidente atecnia, era anacrônica para ser alegada em sede de Plenário do Júri. O argumento é completamente desproporcional e fora de qualquer parâmetro em que se tenta justificar que alguém, possa lavar a honra com sangue.

Em tempos idos da história do Brasil, muitos desses argumentos foram utilizados pelas defesas em Júris memoráveis para defender Doca Street, Lindomar Castilho, Pimenta Neves e tantos outros inconformados com o término de uma relação. Era um tempo bem diferente. O adultério era considerado um crime.

O templo do Júri sempre foi local de intensos debates neste sentido, tendo como expoentes grandes tribunos como: Evandro Lins e Silva, Waldir Troncoso Peres, Roberto Lyra que fizeram desses argumentos de legitima defesa da honra um ultrapassado argumento que permanece sendo utilizado pelos rincões desse país.

Hoje, em pleno século XXI ainda estamos discutindo a possibilidade de uma tese como esta ser utilizada como apelo defensivo para justificar o extermínio de mulheres. No Brasil de aproximadamente 8.511.943 quilômetros quadrados é possível que esses argumentos vetustos ainda se mantenham hígidos.

Em recente decisão monocrática o Ministro Dias Toffoli na ADPF 779/DF fixou entendimento que: a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional por ofender a dignidade da pessoa humana, a vedação de discriminação e os direitos à igualdade e à vida; e caso a tese seja veiculada — direta ou indiretamente — nas fases investigatória, processual e, inclusive, no âmbito do Tribunal do Júri, importará na “nulidade da prova, do ato processual ou até mesmo dos debates por ocasião da sessão do júri (caso não obstada pelo Presidente do Júri), facultando-se ao titular da acusação recorrer de apelação na forma do art. 593, III, ‘a’, do Código de Processo Penal”.

Não temos dúvidas sobre os índices alarmantes de violência contra a mulher e em especial o feminicídio e que o governo brasileiro através de políticas públicas deva combater efetivamente este tipo de crime. No entanto, embora seja forçoso reconhecer que há dois princípios constitucionais em conflito – o da dignidade humana e o da plenitude de defesa – nos parece que em uma análise técnica, não cabe ao Supremo Tribunal Federal determinar quais teses podem ou não serem trazidas a apreciação dos jurados, eis que decidem por mera convicção íntima.

Há ainda que se levar em consideração uma incompatibilidade sistêmica, pois não se pode ter presente um direito individual alçado constitucionalmente em que se garante a plenitude de defesa nos crimes dolosos contra a vida consagrada no artigo 5º, inciso XXXVIII, letra “a” da Constituição Federal e ao mesmo tempo limitá-la através de uma simples decisão judicial. O que é pleno não admite limitações.

É bom que se diga que todas as vezes onde as partes foram limitadas em determinados assuntos dentro do Plenário, a lei se referiu expressamente a elas, vedando a possibilidade de sua utilização, como no caso de as partes não poderem se manifestar a respeito da decisão de pronúncia como argumento de autoridade nos termos do artigo 478 do Código de Processo Penal. Além disso, a decisão foi proferida monocraticamente em caráter liminar, o que deverá ser revisto pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.

Não se pode ainda olvidar que toda essa celeuma foi criada desde setembro de 2020 quando um acusado de feminicídio foi absolvido pelo conselho de sentença no Estado de Minas Gerais e mantida a sua absolvição pelo mesmo Supremo Tribunal Federal sob o argumento de que o quesito genérico proferido pelos jurados não poderia ser questionado por recurso da acusação, tendo em vista a soberania dos vereditos.

Embora a tese de legitima defesa da honra não tenha sido discutida, no seu conteúdo, foi ela que prevaleceu para que os jurados absolvessem o réu. Essa decisão não agradou.

Com a devida vênia, a decisão do Ministro Toffoli, embora seja mais política do que técnica, abre uma possibilidade temerária nos julgamentos do Tribunal do Júri, pois enfraquece a plenitude defesa, garantia individual dos acusados e fragiliza a soberania dos vereditos, abrindo uma fenda perigosa para que o quesito genérico de clemência seja relativizado. Esse é o objetivo, basta a simples leitura do voto.

O motivo é relevante, mas o caminho é movediço.

CONTATO

Email: moisesrosa@adv.oabsp.org.br
Tel: (35) 3646-0013
Rua São Pedro, 322, Jd Primavera Pouso Alegre-MG

OAB

MG: 178.788

SP: 167.830

Desenvolvido por

Rolar para cima